Caruso

Marco Milani
3 min readMar 8, 2023

--

Caruso é esse sujeito de camisa azul à esquerda e eu sou o que está mais à direita, ao fundo, olhando para o notebook. E, sim, meu twitter é @marco_calavera, e eu só não o apaguei ainda porque tem as postagens daquele dia.

Há uns dias, Paulo Caruso foi morar no Céu de aquarela dos cartunistas, que é aquele lugar em que todos eles desenham as celebridades quando elas morrem. Se você não sabe quem foi Paulo Caruso, é porque você não é velho ou chato o suficiente. Eu, que me enquadro no segundo grupo, o dos chatos, conheci o Caruso pelo programa Roda Viva, no qual ele desenhava charges ao vivo. O Roda Viva é um desses programas monótonos de entrevistas. E eu sou tão chato que até dei um jeito de assistir ao programa de lá do estúdio.

Naquela época, a Internet era tudo mato e o Twitter começava a despontar como uma plataforma onde estavam jornalistas e gente bem informada. Isso foi depois da época em que o Twitter só servia para escrever trivialidades em 140 caracteres, do tipo “Escovando os dentes”, “Saindo de casa”, “Pisei numa merda de cachorro”.

Então o Roda Viva resolveu trazer três pessoas a cada programa para ficar interagindo com o público no Twitter. Nunca abriram inscrição, mas eu me convidei e, uns dias depois, a van da Cultura estava me esperando na Rodoviária Tietê.

Foi muito interessante ver os bastidores. Quando tocava a vinheta — que naquele tempo ainda era a música homônima do Chico Buarque — Todo mundo começava a falar de coisas que os fariam perder o emprego, se vazassem.

Me lembro que Marcos Kitano acabara de ser assassinado pela própria viúva — ela ainda era apenas suspeita. O jornalista Fernando Rodrigues, estava bancando o enfant terrible da Folha, dominava as rodadas de perguntas e tagarelava sem parar nos intervalos. Contou logo no primeiro intervalo que haviam descoberto que Elize Matsunaga fora garota de programa antes do relacionamento. Quando a vinheta tocou novamente, todo mundo arrumou os paletós e voltou a falar de transparência da Coisa Pública.

Na antessala do estúdio, tinha uma mesa com um lauto café. Quando cheguei, os jornalistas todos de terno escuro, conversavam fazendo caras e bocas de gente inteligente. Eram blasé de mais para serem vistos mastigando. Os outros twitteiros, como eu, de blazer e camiseta, tampouco se rebaixaram a comer.

Mas eu era professor e, naquele tempo, professor não podia se dar ao luxo de perder uma boquinha livre — hoje também não. Fui degustando um petit four, um pãozinho de queijo, um cafezinho, um bombom… até que surge, à altura dos meus olhos, uma imponente barriga. Olhei para o alto e vi Paulo Caruso.

– Olha esse bolo de chocolate. Eu não resisto! O bom é que é tão docinho que nem precisa pôr açúcar no café, não assusta muito a diabetes. — murmurou de boca cheia, enquanto esticava a mão para a garrafa térmica.

Rolou uma cumplicidade. Ficamos debatendo os quitutes até nos chamarem para o estúdio. Me arrependo, hoje de não ter pedido um autógrafo. Fico me imaginando desenhado de boca cheia em um guardanapo de papel. Hoje, eles estaria emoldurado na minha parede.

Caruso, se tiver acesso a um médium aí em cima, manda psicografar esse autógrafo, por favor. Prometo que eu levo um bolo de chocolate e um cafezinho sem açúcar no seu túmulo.

--

--